Há quatro anos eu achava que era o fim, hoje sei que era um recomeço
- Redação
- 4 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2020

03/09/2016. Um dia de muita expectativa, já que depois de dois meses eu iria para casa. Nas quadras, se São Caetano vencesse a equipe de São José dos Campos, conseguiríamos a vaga ao Final Four. Mesmo sendo destra, sempre atuei no centro e do lado direito – não sei nem correr do lado esquerdo, acreditem... rsrs. Mas, nessa manhã, a missão dada a mim era jogar na meia esquerda e como uma boa fominha que eu sou, aceitei sem nem pensar! Com 10 minutos de jogo, estava eu na linha dos 6 metros gritando de dor. Os primeiros e últimos 10 minutos tinham sido espetaculares, tinha feito gols e estava confiante. Ali, sem sentir a minha perna direita, eu já sabia o que tinha acontecido. E, em uma das minhas melhores (ou melhor) fase, vi o fim.

Naquele momento tão caótico, tinha na arquibancada dois seres que eu amo tanto, o Vinicius Panda e o Fabio Lima, que me ampararam e me levaram embora para a casa. Eles foram de extrema importância, tanto no mental quanto no físico, pois eu mal conseguia pisar no chão. Liguei para minha mãe aos prantos, dando a notícia e dizendo que não voltaria. Nem em sonhos ela concordaria. Então peguei um Uber até o Terminal Tietê e quando cheguei lá me deparei com uma escada gigantesca para descer até a plataforma. Paralisei. Dois rapazes se ofereceram para me ajudar e enquanto um me desceu de cavalinho – hahaha! – o outro carregou minha mala. A dor física era enorme, o coração doía ainda mais.

Um outro anjo, a Bianca Domingos, que já tinha passado pelo mesmo, me amparou e me ajudou demais com todo psicológico e a Carol Rodrigues – mais um anjo – que me mandou esse trecho tão emocionante que guardo com muito carinho até hoje! “Enquanto muitos me soltaram e apontaram dedos, pessoas de muita luz seguraram minha mão.” Anjos que Deus colocou em minha vida para me mostrar que ao contrário do que eu pensava, não era uma punição, e sim, um livramento.

Voltei para a casa dos meus pais. Tive que trancar a faculdade e me vi literalmente sem rumo. Sou de Tietê, uma pequena cidade do interior de São Paulo, onde as estruturas para recuperações de atletas são escassas. Fiz minha cirurgia em 15 de dezembro e, sem clube, fiquei dois meses do meu pós-cirúrgico contando com a ajuda online do Edu Panik, um fisioterapeuta e um ser humano de muita luz, que me passava exercícios e fazia o possível para me dar “suporte” nesse momento tão difícil. Na época, o Guilherme Valadão também tinha passado por cirurgias nos joelhos e estava tratando com um fisioterapeuta especialista em atletas na cidade de Cerquilho. E sim, MAIS uma vez eu encontrei anjos em meu caminho. Após uma conversa com zero expectativas de retorno que tive com o Rafael Sbompato – fisioterapeuta que estava atuando na recuperação do Valadão –, eles decidiram me dar suporte no pós-operatório. Foi um momento de suma importância, enquanto os times voltavam para a temporada de 2017, eu ainda me via distante das quadras.

Em outubro de 2017 eu fui contratada pela equipe de Botucatu, para os Jogos Abertos, equipe que me abriu as portas para o tão esperado retorno. Foi uma parceria de muito sucesso, onde pude conhecer pessoas e vivenciar momentos que levarei sempre comigo. No começo de 2019 comecei a procurar emprego na minha cidade, para poder me estabilizar, já que a vida de atleta é bem precária no Brasil. Recebi uma proposta de trabalho de um Cartório e na mesma semana, recebi uma ligação do Zé (José Batista), técnico da equipe do ADH – onde eu já tinha jogado nos anos de 2014/2015 – me fazendo uma proposta de disputar os Jogos Regionais por Piracicaba, em um time que teria experiência e juventude. Além de topar a ideia na hora, neguei a proposta de serviço. Disse aos meus pais que se eu estivesse trabalhando me demitiria em julho para ir para os Jogos.

Meus pais sempre me apoiaram na vida e no esporte, mas eu ainda precisava de uma renda. Então, foi quando decidi tirar o meu certificado de Confeitaria e Panificação da gaveta, um curso que fiz por hobby quando jogava em Piracicaba. E assim nasceu a Bom de Bico. Muitas vendas foram feitas nos ginásios; as idas para Botucatu e Piracicaba passaram a ser sempre com a bolsa térmica e a caixa repleta de doces. Em julho, ao ouvir o apito na final dos Jogos Regionais, que dava o título a nossa equipe, eu chorei muito. Chorei por saber que faria tudo de novo, sou atleta há 16 anos e o Handebol é tudo para mim. E sendo a bela fominha que sou, enquanto eu puder com certeza estarei dentro das quadras. Eu amadureci muito nesse processo. Criei responsabilidade, evolui dentro de quadra, me aproximei de pessoas muito especiais que Deus me deu de presente com a lesão. A doceria me permite ter horário flexível, me permitindo treinar, me deslocar para jogos e ainda não paro de trabalhar nem quando estou longe de casa, pois os doces sempre vão comigo. Sempre digo que o Handebol me deu a Bom de Bico e que a Bom de Bico me deu de volta o Handebol.
Atualmente sou atleta da Associação Desportiva 15 de Piracicaba, proprietária da Bom de Bico e muito feliz! Tenho uma estabilidade que é muito difícil se ter sendo atleta no Brasil e tenho uma flexibilidade que é muito difícil se ter tendo um trabalho além das quadras. Com certeza não poderia ser melhor. Hoje, quatro anos depois, eu amo relembrar dessa data. Foi o início de uma das melhores fases da minha vida, onde eu amadureci MUITO em todos os aspectos. A lesão me proporcionou momentos e pessoas únicas. Hoje finalizei o treininho feliz da vida ao lado do meu companheiro! Há quatro anos eu achava que era o fim, hoje eu sei que era apenas o recomeço! Numa versão ainda melhor.
PERFIL DO AUTOR
Giovanna Belli é atleta de Handebol da equipe do 15 de Piracicaba e proprietária da doceria Bom de Bico.
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